Quando o mandamento
de Deus diz: "'não matar", quer dizer: "nunca matar
ninguém". Mas quando este mandamento desce na terra, na qual é o melhor
quem sabe eliminar maior número de inimigos em seu favor, então aquele
mandamento se quiser subsistir em tal ambiente, deve deixar algum lugar à lei
desse ambiente, e transformar-se, adaptando-se a ele. Na prática, desse modo, o
mandamento vem a exprimir-se assim: "não me mates e ajuda-me a matar os
meus inimigos". De fato, foi nesse sentido que Moisés não pôde deixar de
entender e aplicar aquele mandamento, logo que desceu do monte e encontrou-se
frente à realidade da vida. Foi uma espécie de necessidade moral e também
espiritual, porque, diversamente a idolatria sairia vencedora.
Posteriormente, com o
desenvolvimento da evolução, a lei do Sistema, fazendo pressão, tornar-se-á
cada vez mais atuável, até os tempos modernos em que se chega quase a
condenação das guerras, coisa inconcebível aos tempos de Moisés. Mas foi
daquele modo que então se chegou, certamente não por culpa dele, mas da
dominante psicologia involuída a esta conclusão estranha: que, para defender
a lei de Deus, foi preciso deixar de aplicá-la. Para tornar válido o
mandamento de "não matar", para tornar possível transmiti-lo a
outras gerações que, depois, o pudessem aplicar, se fez necessário violá-lo
primeiro, matando uma porção de gente.
Assim desde que
apareceu pela primeira vez, a lei ética, deve levar em conta a realidade do mundo
A primeira coisa que Moisés teve de demonstrar com fatos ao descer do Sinai foi
a inaplicabilidade imediata da lei que proclamara. Para fazê-la descer ao plano
humano, para depois educar o homem ensinando -lhe a aplicá-la, Moisés teve,
inicialmente, de cair numa contradição, que permanecerá através dos séculos: a
de que para poder aplicar a lei que proíbe a força, se usa a força. Para
aplicar a lei, se faz justamente o que ela proíbe. Não, é o legislador moralista que mostra a aplicabilidade da lei seguindo-a ele mesmo, em primeiro lugar, e
educando com o exemplo. É ele próprio, inicialmente, que prova a
inaplicabilidade dela com o fato de não aplicá-la a si quando, exigindo
obediência, afirma, com os fatos, o princípio oposto ao da obediência
determinada pela lei, isto é, o princípio do próprio mando. Eis aquilo que na
ética deve tornar-se, quando desce em um mundo onde o problema fundamental
sempre presente é de ser o mais forte e de, assim, impor-se para não ser
devorado. Desse modo é que encontramos na Terra uma ética de contradições, pela
qual a lei parece dever valer só para os sujeitos que devem ser educados, e
não para os educadores, que não ficam obrigados a aplicá-la, embora
devessem ser os primeiros a fazê-lo. É uma ética de contradição, porquanto,
determinando obediência pratica a dominação. É uma ética de coação, que impõe a
ordem pela força das sanções, isto é, faz a paz usando a guerra, quer atingir
a não reação usando a reação.
É assim que a ética
ensina a não matar, matando; a renunciar, mantendo a posse; a obedecer
mandando. O próprio moralista está imerso no plano humano, não consegue
colocar-se acima de seus dependentes e com estes, mesmo em nome de altos
princípios éticos, desce para a luta no mesmo nível.
Somente Cristo
permaneceu em Seu plano mais alto. Somente Cristo praticou a não reação pregada
pela ética: Ele não desceu para pactuar com o mundo estabelecendo compromissos.
Por isso, porque ele não quis usar a força, o mundo, usando a força, o
matou. Se puderam sobreviver, as outras autoridades que se dizem baseadas na
ética foi porque diante da moral pura de
Cristo, elas representam uma posição híbrida de comprometimento. Assim,
assistimos na Terra ao estranhíssimo espetáculo através do qual, em nome da
ética, se proíbe a reação punitiva individual permitindo-se somente a da
autoridade. Esta diz ao indivíduo: "Não usarás mais a violência para
defender teus interesses; só eu posso usa-la para defender os meus. Eu, porque
sou o chefe, o que venceu como mais forte nego a ti o direito de matar por teus
próprios objetivos para usá-lo somente pelos meus fins". Na verdade, o que
cada governo faz, logo de inicio, é desarmar o cidadão, reprimindo-lhe a
violência, para armá-lo contra os próprios inimigos, premiando-lhe com honras a
mesma violência.
Na prática, a ética
reduz-se a um arrancamento de poderes da massa para poucos dirigentes, fato
que se justificaria se feito com finalidades educativas ou para o bem da
coletividade, o que nem sempre se verifica, já que, ás vezes, tais poderes podem
ser usados pelos dirigentes só como vantagem pessoal. Assim a ética constitui a
primeira violação de si mesma, porque os homens que a representam, na prática,
fazem exatamente o que ela proíbe. Desse modo, os princípios permanecem como
teoria e fica no plano humano o fato de que, sobrepondo-se força a força, não
se alcança justiça. Enquanto se aceitarem os métodos do mundo, isso não pode
ser superado.
Destarte, quisemos somente
explicar o estado de contradição em que se encontra a moral humana, contradição
que pode parecer mentira, mas nem sempre é desejada com tal propósito. Ela pode
ser aceita com uma necessidade transitória, de adaptação dos princípios
superiores às exigências de um mundo inferior onde também eles devem
aplicar-se. De qualquer modo, esta contradição é fatalmente
destinada a desaparecer com o progresso evolutivo, destinada a ser corrigida
quando os princípios da ética vierem a ser verdadeiramente aplicados em favor
da educação do homem, ensinando-lhe a viver num plano de vida mais alto.
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