"A mágoa é um sentimento aceitável, todavia,saber administrar os efeitos nocivos da ofensa em nossa vida, isto sim, constitui grave desafio ético cristão.É a arte de perdoar.
Um dos efeitos nocivos da mágoa é a atitude de indiferença.A indiferença é um tentativa improdutiva da alma de tentar anular ou negar sentimentos , de isolar o afeto que , em sua concepção, foi traído.Essa iniciativa seja consciente ou não, só tem como resultado o ebulir dos maus pendores.A tentativa de ser indiferente nos leva a fixar nos pontos falhos, nas más recordações e na constante sensação de desconforto perante os ofensores.É um esforço para impedir as vozes profundas da alma que solicitam a coragem de perdoar.Não conseguindo,redunda em males a nós mesmos.
Quando aqueles que se magoaram preferem a indiferença temporariamente, em alguns casos,torna-se até justificavel a indiferenca em relação ao ofensor, desde que não estejamos indiferentes à mutação de sentimentos que saltitam em nosso coração em relação a ele.Indiferença temporária ao ofensor para dar tempo de minimizar os efeitos da ofensa no ofendido.No entanto,se for uma opção definitiva,uma escolha consciente e irreversível,estaremos caindo nas garras do orgulho e lutando contra a tendência natural da alma na busca de sua recuperação espiritual,cuja inclinação é,para a aproximação, a afetividade.
A mágoa cristaliza nossa visão no lado menos feliz das pessoas que nos ofenderam.Sob efeito da ofensa,somos capazes de esquecer,automaticamente,o afeto e os momentos de alegria que tivemos com nossos ofensores.Esse talvez seja seu pior efeito.
Perdoar não significa somente esquecer a ofensa.Perdão é emoção e não memória.Não apagamos a memória mas a ressignificamo-na.
A prova mais autêntica de perdão no mundo íntimo é quando conseguimos resguardar o nosso foco mental nos aspectos das pessoas que nos ofenderam.Evidentemente,que me refiro às pessoas que tivemos a oportunidade de conhecer e fruir amizade, carinho e momentos gratificantes que,sob o manto negro da ofensa,passam à condição de adversários.Esquecemos tudo de bom que nos uniu àquela pessoa e fixamos a mente no deslize do ofensor.
Muitos pensarão que isso é uma utopia, como podemos pensar na virtude de quem nos agrediu ou lesou?.Isso depende de conhecermos com profundidade quais são as razões que nos prendem à nossa mágoa e ao nosso ofensor.Quais os motivos profundos que nos atrelam à mágoa em relação a alguém.Quase sempre na raiz de nossas mágoas há interesses pessoais contrariados.Ou seja, feriram o nosso orgulho.Mexeram com a nossa auto - estima..Porque então nos sentiriamos ofendidos se não houvesse algo de pessoal?A mágoa expressa um sentimento de injustiça.Jamais a sentimos dissociada da sensação de perda,lesão.Quando somos agredidos ou recebemos ameaças de agressão,entra em ação a emoção da raiva,para nos proteger.É o escudo contra o que pode nos machucar.É um sinal do coração para que o ofendido descubra pela dor algo importante para sua caminhada.E quando descobrir tomará o ofensor como grande instrutor de sua vida.A mágoa tem como elemento emocional básico a raiva que faz parte do sistema defensivo da alma.
Caminhamos entre o sincero desejo de ser útil e as velhas ciladas da sombras do interesse pessoal.
Na atualidade, ocorre um processo muito doloroso em nossa vida mental.Como buscamos a melhoria espiritual,estamos removendo as base de um edifício de ilusões que nos serviram de alento e segurança nos milênios.O ruir desse edifício é ameaçador.Hoje estamos literalmente magoados com a Verdade, a Verdade sobre nós.Temos raiva de saber o que estamos descobrindo sobre nossa vida.Não a vida externa , mas aquela que trazemos dentro de nós mesmos.Estabelecemos um processo de autocobrança e autopunição face a essa realidade,tornando-nos facilmente melindráveis,magoáveis.A sofreguidão desse auto-encontro faz-nos irritáveis, frágeis psiquicamente para qualquer correção menos fraterna.
E ninguem, em são juízo,pode afiançar que sejamos almas abnegadas.O interesse próprio ainda é o motor de nossas ações mesmo no terreno da espiritualização.Raramente adentramos o campo moral da virtude.Nosso processo de aperfeiçoamento ainda reasteja nos domínios da desilusão.É o preço que pagamos para vencer a ignorância que teima em manter-nos cegos acerca da nossa realidade moral.
Todavia, nesse cenário,ninguém passará sem experimentar a dureza dos chamados.Muitos desses chamados virão de irmãos de caminhada e serão tomados como agressões geradoras do ressentimento.Conquanto não devamos incentivar o clima da fraqueza mórbida que deveria se substituída pela amabilidade,queiramos ou não, através da leitura do evangelho recebemos um convite para as descobertas interiores e, muito delas,serão realizadas sob a chancela da ofensa.
O ofensor,seja ele intencional ou não, vai passar pela nossa vida e se vai ; a mágoa, por sua vez,será transportada conosco até o instante que descobrirmos o seu significado divino, o que ela tem para nos ensinar.No entanto,se não percebermos o quanto ela nos faz mal,poderemos não só perder o fruto do que ela pode nos ensinar e, além disso,ao cultivá-la em redoma na vida emocional(ou seja, dentro de nós),adular um projeto de carcinoma fulminante.
Não existe sentimentos na vida íntima que não tenham significado educativo para a nossa caminhada.Determinar o que se pode ou não sentir é uma sequela do religiosismo estéril,deseducativo.A carência de noções sobre a realidade interior,especialmente sobre os sentimentos,responde por inúmeras atitudes desconectadas da verdadeira intenção de melhorar.A reforma íntima será a resultante da habilidade em lidar com o desconhecido universo da realidade profunda do inconsciente,no qual jazem mecanismos perfeitos de evolução que necessitamos esquadrinhar.Sem entender nossa vida afetiva,rodaremos em círculos de dor com reações aprendidas tais como a culpa,a rivalidade silenciosa, a vergonha, o remorso e a própria raiva reprimida que se converte em estado melindroso,depois em mágoa e rancor, e , mais adiante, no ódio.
Perdoar é compreender.Quem perdoa entendeu as razões da mágoa.Para perdoar não teremos que entender, necessariamente, a conduta do ofensor, mas as razões de nos sentirmos ofendidos.Claro que falo de mágoas e perdas na relações e não dos casos graves de maldade e traição nos quais existem agressões severas,envolvendo inclusive bens materiais e a vida corporal.Nesse estágio penetramos os domínios da violência e as seguelas vão muito além da mágoa.
A mágoa é um desgosto cujo objetivo é nos ensinar algo que não estamos querendo ver de outro modo.Assim como a raiva que tem finalidades importantes no crescimento, a mágoa tem liçoes profundas quando desejamos olhar para nós.Aliás, a mágoa,quase sempre,é a raiva congelada,isto é ,sentimos raiva em algum momento e não utilizamos esse sentimento com equilíbrio.Posteriormente,essa raiva cria uma mutação e transforma-se em ressentimento.
O perdão siginifica reconhecer conosco mesmo o que estamos perdendo,em que estamos sendo contrariados e porque nos sentimos lesados.Essa auto-aferição é fundamental para nossa paz.No fundo,perdoar significa cuidar de nós mesmos e reconhecer a natureza da contrariedade que experimentamos.Sem isso,continuaremos ignorantes sobre as nossas perdas e quais são os interesses pessoais que a vida nos solicita que façamos uma revisão."
Reflexionando sobre esse texto verificamos que antes de qualquer coisa devemos em primeiro lugar buscar dentro de nós o nosso auto conhecimento ,através das coisas que nos acontecem no exterior, a fim de podermos ir buscando o nosso crescimento espiritual.Crescimento este que deve ser embasado, sempre, na máxima que nos foi ensinada a mais de 2.000 mil anos atrás " Amarmos os outros como nós nos amamos".
Extraido do livro " Quem sabe pode muito Quem ama pode mais" do Wanderley Soares de Oliveira